Bets, cervejas e cigarros: o patrocínio que vicia nos festivais de música

Bets, cervejas e cigarros: o patrocínio que vicia nos festivais de música
Tardezinha (Reprodução)

As casas de apostas já dominam o cenário do futebol brasileiro quando o assunto é patrocínios e publicidade. Atualmente, o segmento é a principal força motriz do esporte no país. Dos 20 times que disputam a Série A do Brasileirão, 18 recebem investimentos de empresas do setor. Os principais pontos de contato entre essas empresas e os torcedores ocorrem durante a transmissão dos jogos de seus times favoritos, nos intervalos das partidas, e nas redes sociais, através de influenciadores e canais de conteúdo esportivo.

Embora o futebol ainda seja um terreno fértil, ele deixou de ser o principal foco dessas empresas, que estão migrando cada vez mais para o entretenimento. Seja por meio de campanhas estreladas por artistas da música ou patrocinando grandes eventos como Lollapalooza e Tardezinha, as casas de apostas estão se unindo às empresas de bebidas alcoólicas como os principais patrocinadores do setor.

Em um cenário em que cada vez mais brasileiros deslocam seus gastos, que antes eram destinados ao varejo, cinema, atividades culturais e até à alimentação, para essas plataformas, surge a pergunta: serão os festivais de música a melhor aposta? Se depender das bets, a resposta é sim.


Quem mais patrocina os festivais de música?

A presença massiva de marcas promovendo seus estandes está formatando os festivais de música e grandes eventos como o Tardezinha, Numanice e os Blocos da Anitta, são alguns dos que oferecem estruturas de marketing de experiência similares às de festivais como Rock in Rio e Lollapalooza.

Essas ativações, que competem pelo tempo de quem frequenta esses espaços, já são consideradas a segunda atração dos eventos. O The Town, do grupo Rock World, por exemplo, que teve sua primeira edição em 2023 em São Paulo, contou com a participação de 32 marcas, que ofereceram um total de 220 experiências destinadas ao público. O lineup do festival incluiu 139 atrações musicais, divididas entre cinco dias.

Entre os maiores patrocinadores desses eventos, destacam-se as marcas de bebidas. Segundo dados coletados pelo Mapa dos Festivais, em 2023, Coca-Cola, Amstel, Heineken, Beefeater e Budweiser foram as marcas que mais patrocinaram festivais.

No primeiro semestre de 2024, ainda segundo dados do Mapa dos Festivais, entre as 386 marcas envolvidas no patrocínio de festivais nesse período, as cinco que mais se destacaram foram: Amstel, que aumentou sua cota de patrocínios em 100%; Coca-Cola, com um crescimento de 78%; Budweiser, que cresceu 75%; Schweppes, com um aumento de 333%; e, como novidade nesta lista, a Pixbet, que teve um crescimento de 160%, passando de 5 eventos patrocinados para 13.

Mesmo com o crescimento da Pixbet e de outras empresas do segmento, o setor de bebidas ainda é o que mais patrocinou festivais no primeiro semestre de 2024, seguido por bancos; governo (políticas públicas e editais); saúde, beleza e bem-estar; e vestuário e calçados.


Cenário das apostas no Brasil

Em 2018, o governo Temer legalizou as apostas esportivas online. Dois anos depois, havia 51 marcas de apostas no Brasil. Até o primeiro trimestre de 2023, esse número saltou para 308, representando um crescimento de mais de 500%.

Gráfico mostra o crescimento das bets no Brasil.

Quando falamos de propaganda, em 2022, doze casas de apostas figuraram entre os 300 maiores anunciantes do país. Nesse mesmo ano, a Sportingbet, que ocupou a 49ª posição no ranking geral, gastou R$ 200 milhões em publicidade.

Como mencionado no início do artigo, as empresas desse segmento são a força motriz do futebol brasileiro atualmente. O acordo mais recente é do Corinthians com a VaiDeBet, o maior patrocinador máster da história do Brasil, que envolve R$ 370 milhões por três anos, com a marca estampada nas camisetas do time.

O investimento é alto, mas o retorno também. Em 2023, os brasileiros torraram R$ 54 bilhões em apostas online. A grana vai para os países-sede das empresas – no geral, paraísos fiscais, onde a legislação é mais flexível. Tudo livre de impostos, já que a medida de 2018, embora tenha liberado a prática, não a regulamentou.
Tamanho estimado do mercado de bets no Brasil (Imagem: O Globo Negócios)

A regulamentação do setor é ainda muito recente, apenas em dezembro de 2023 o presidente Lula sancionou uma lei para regular as apostas online. Foi criada também uma Secretaria de Prêmios e Apostas, vinculada ao Ministério da Fazenda, tanto para fiscalizar quanto para taxar apostas esportivas e jogos de azar. Espera-se arrecadar até R$ 6 bilhões em 2024 com as novas medidas.

As plataformas deverão pagar uma licença para operar no país e assegurar que os impostos sejam recolhidos localmente. Além disso, as empresas terão que garantir a segurança dos usuários, cumprir as normas de publicidade e implementar ferramentas para identificar e prevenir transtornos, como limites de valor por aposta e tempo gasto na plataforma. Esse conjunto de regras entrará em vigor em janeiro de 2025. A partir dessa data, as empresas que não cumprirem as exigências serão multadas.

Embora apostas esportivas e jogos de azar fossem distintos, eles se encontravam em plataformas como Blaze e Esportes da Sorte. A principal diferença talvez fosse que as apostas eram permitidas desde 2018, enquanto os jogos de azar permaneciam sem regulamentação. No entanto, o Ministério da Fazenda estabeleceu regras para o funcionamento dessas modalidades, como "aviãozinho", "tigrinho", caça-níqueis, roleta e cartas. Os novos critérios já estão em vigor, mas as empresas precisam estar credenciadas junto ao governo para oferecer esses tipos de jogos.

Publicidade das Bets

Após a sanção presidencial que regulamentou as apostas esportivas, o Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) publicou novas diretrizes para as empresas do setor. O texto foi elaborado com base na experiência da publicidade de apostas em diversos países e segue cinco princípios: identificação publicitária; veracidade e informação; proteção de crianças e adolescentes; responsabilidade social; e promoção do jogo responsável.

As mensagens publicitárias de empresas de apostas devem ter seu teor comercial claramente identificado, ou seja, não é permitida a veiculação de anúncios velados do setor. As empresas precisam fornecer informações verdadeiras sobre os possíveis resultados das atividades promovidas, permitindo que os consumidores tomem decisões com base em elementos reais. Promessas de ganhos garantidos e divulgação de informações irrealistas sobre a probabilidade de ganhos estão proibidas.

Além disso, as diretrizes estabelecem uma série de restrições quanto ao conteúdo e direcionamento de publicidade para menores de 18 anos. Assim, torna-se obrigatória a inclusão do símbolo “18+” ou do aviso “proibido para menores de 18 anos” em anúncios. As empresas também não podem utilizar elementos que façam alusão ao universo infantil ou que atraiam a atenção das crianças.

Fica proibida a participação de menores de idade nas campanhas publicitárias das casas de apostas. Os atores e profissionais contratados para essas campanhas devem, segundo o Conar, "ter e parecer ter" mais de 21 anos. Além disso, os influenciadores escolhidos para promover as apostas precisam ter, predominantemente, um público adulto.

As empresas de apostas também devem alertar os consumidores sobre os possíveis impactos psicológicos dos jogos, sendo vedado o estímulo ou exagero de práticas irresponsáveis de apostas.

Nenhuma das regras aborda limites para patrocínios em eventos esportivos ou culturais, nem menciona restrições para propagandas nos meios de comunicação.

Apostas e saúde pública

Além das questões econômicas e da regulamentação, o impacto das apostas na saúde pública é um tema sem consenso, e o cenário que se desenha é extremo e preocupante.

O Itaú estima que, entre junho de 2023 e junho de 2024, os brasileiros movimentaram R$ 68 bilhões em jogos virtuais, incluindo apostas esportivas e jogos de azar. Já o Instituto Locomotiva relata que 52 milhões de brasileiros já participaram dessas atividades ao menos uma vez. Há seis meses, esse número era de 38 milhões.

Para Luciana Medeiros, sócia da PwC, as apostas já representam uma parte significativa do orçamento das famílias brasileiras. Em classes sociais mais baixas, já se observa a substituição de determinados gastos.

O estudo da PwC projeta que as despesas dos brasileiros com apostas esportivas, em todas as classes sociais, totalizaram entre R$ 40 bilhões e R$ 50 bilhões em 2023. Esse valor é mais de 40 vezes o gasto com ingressos de futebol e 12 vezes o consumo no cinema.

Ruben Couto, analista de varejo do Santander, não atribui exclusivamente às apostas a mudança no padrão de consumo dos brasileiros, mas destaca que o aumento dos gastos nas plataformas de apostas é um fator significativo.

Vale lembrar que o vício em jogos foi reconhecido pela primeira vez como um transtorno impulsivo em 1980, na terceira edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM). Em 2015, essa condição foi reclassificada como uma dependência.

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No Brasil, estima-se que 1% da população apresente critérios para o transtorno de jogo, o que corresponde a cerca de dois milhões de pessoas, e esse número continua a crescer.

É possível conter esse fenômeno? Pelo interesse das empresas do setor, parece que não. Até o final de janeiro, 134 empresas manifestaram ao Ministério da Fazenda a intenção de operar jogos online legalmente — entre elas, a Globo (que controla o Cartola, um game que simula o Brasileirão) e o Kwai, aplicativo semelhante ao TikTok, que está sob investigação do Ministério Público por permitir a disseminação de fake news.

Agora, imagine o volume de publicidade necessário para sustentar quase 500 empresas de apostas.

Artistas e a propaganda

Além dos influenciadores digitais e atletas, os artistas da música também passaram a ser o rosto de campanhas das casas de apostas.

Seu Jorge, Ludmilla e Thiaguinho se uniram ao Vini Jr. em uma campanha para a Betnacional, enquanto Ferrugem e Thiago Silva foram para a Superbet. Michel Teló assinou com a Esportes da Sorte, e Bell Marques e Xand Avião tornaram-se embaixadores da Aposta Ganha, entre outros exemplos.

Até mesmo o Cartola, que faleceu em 1980, "emprestou" sua voz por meio de inteligência artifical para marcar a despedida da parceria entre Betano e Flamengo.

No Brasil, o senador Eduardo Girão (Novo - CE) apresentou um projeto que visa proibir a participação de celebridades na publicidade de apostas em eventos esportivos, a PL 3.405/2023. Uma legislação similar já foi implementada no Reino Unido, onde a presença de atletas e figuras públicas em propagandas de casas de apostas foi proibida.

Bets nos eventos de música

Betano

Durante a Copa de 2022, o Jockey Club Brasileiro recebeu o festival Village Betano, que combinou shows musicais com transmissões de jogos. A casa de apostas patrocinou e deu nome ao evento através de um acordo de naming rights. O festival exibiu sua logomarca em telões principais e em televisões na praça de alimentação, e realizou ativações de conteúdo antes e depois dos jogos. Entre as atrações estavam uma arquibancada, um lounge exclusivo no rooftop para 100 convidados com open bar, logomarca em copos oficiais e um meet and greet na área dos artistas. O Betano Lounge ofereceu entretenimento exclusivo para clientes, incluindo um totó gigante, futmesas, gol show com prêmios da marca e uma roleta com distribuição de brindes. Apesar de ser um festival de música, o Village Betano ainda estava fortemente ligado ao universo esportivo.

Betnacional

No ano seguinte, a Betnacional patrocinou a Tardezinha, evento de pagode liderado pelo cantor Thiaguinho, que também é sócio do evento. Entre as ativações da Betnacional na Tardezinha estavam: um ônibus envelopado com a marca Tardezinha + Betnacional, um receptivo Betnacional, o espaço "Quiz Betnacional" com totens para simular apostas, o palco Esquena Betnacional e um vídeo 360° Bet. Em 2023, a Tardezinha percorreu 24 cidades brasileiras, além de Lisboa (Portugal) e Miami (EUA).

A Betnacional também patrocinou os eventos Numanice e Navio Numanice da cantora Ludmilla.

Esportes da Sorte

Ainda em 2023, a Esportes da Sorte expandiu sua atuação para além do futebol, patrocinando festivais de forró como o Forromares, em Palmares (PE), e o Êêêta Forrozão, em Fortaleza (CE).

“Nossa presença nestes dois grandes eventos representa um compromisso em apoiar não apenas o esporte, mas também a cultura e o entretenimento. Estamos entusiasmados em fazer parte desses eventos que criarão momentos memoráveis ao público participante”, declarou Marcela Campos, vice-presidente do Esportes da Sorte.

A empresa também patrocinou a São Paulo Oktoberfest e o Samba Prime, em Juiz de Fora (MG).

Superbet

Neste ano, a Superbet deu um grande passo ao se tornar a primeira casa de apostas a patrocinar o Lollapalooza, realizado em março, e o Rock in Rio, programado para setembro. Patricia Prates, diretora de marketing da empresa, explicou que a decisão de apoiar o Lollapalooza visava "posicionar a marca em um território além do esporte, seu principal campo de atuação". No evento, a Superbet montou um estande de 100 metros quadrados, onde os visitantes puderam participar de jogos relacionados à música e ganhar brindes. "Já temos experiências no futebol e agora estamos expandindo essa mentalidade para o segmento musical, que compartilha valores semelhantes aos do esporte em geral", comentou Prates.

Para o Rock in Rio, a Superbet planeja criar um espaço promocional para o público descansar, carregar celulares, participar de jogos musicais e concorrer a brindes.

“A Superbet está tentando entrar de forma contundente no mundo do entretenimento. (Essa) experiência mexe com a mesma emoção que a pessoa tem ao ganhar determinada aposta ou assistir ao seu esporte favorito”, afirmou o CEO da empresa, Alexandre Fonseca

E a cerveja?

Atualmente, a legislação referente à publicidade do álcool em Rádio e TV, inclusive por assinatura, possuem restrição em relação ao horário de veiculação, sendo entre 21h30 e 6h. No caso de transmissão de evento, que têm marcas de bebidas como patrocinadoras, é permitido apenas o uso de chamadas com slogans, sem recomendações de consumo. Além disso, a publicidade não deve promover o consumo excessivo ou irresponsável.

Embora o Brasil se destaque mundialmente no combate ao tabaco, a situação em relação ao álcool é diferente. Dados do IBGE mostram que, entre 2013 e 2019, a proporção de brasileiros que consomem bebidas alcoólicas semanalmente aumentou de 23,9% para 26,4%, com um crescimento notável no consumo entre mulheres. A pesquisa Covitel, publicada em 2023 pela OMS, revelou que 5,6% dos brasileiros (3,5 milhões) sofreram lesões ou causaram danos a outros após consumir álcool. Durante a pandemia, as mortes por transtornos mentais ou comportamentais relacionados ao uso de álcool em São Paulo aumentaram em 156%.

Especialistas atribuem o aumento ao fato de que o Brasil nunca implementou uma campanha nacional abrangente para reduzir o consumo de bebidas alcoólicas, além da restrição limitada à publicidade, diferente do que foi feito com o tabaco. A cláusula de advertência "aprecie com moderação", frequentemente utilizada em campanhas publicitárias, tornou-se vaga e insuficiente, como reconhecido pela OMS, uma vez que não há níveis seguros de consumo de álcool.

O consumo excessivo de bebidas alcoólicas tem consequências graves, incluindo violência doméstica, acidentes de trânsito, e problemas em bares e eventos, além da dependência química, uma doença crônica, progressiva, degenerativa e incurável, embora tratável.

Em eventos esportivos e culturais, marcas de bebidas não são proibidas de patrocinar e estão bastante presentes. O Conar exige que todas as peças publicitárias incluam cláusulas de advertência, como "beba com moderação" e "este produto é destinado a adultos". Entre os principais patrocinadores de festivais de música estão Budweiser e Heineken.

Embora a presença de cervejas em eventos esportivos, como a Champions League patrocinada pela Heineken desde 2005, não seja nova, este ano a AB InBev trouxe uma bebida alcoólica para as Olimpíadas pela primeira vez. No entanto, a escolha foi a Corona Cero, uma cerveja sem álcool.

As Olimpíadas fazem parte de uma tendência do setor promover as cervejas sem álcool por meio do esporte, assim como ocorre com a Heineken 0.0 na Fórmula 1 e a Guinness 0.0, da Diageo, no torneio de rugby Six Nations. A Carlsberg distribuiu 400 mil latas da cerveja francesa sem álcool Tourtel Twist no Tour de France no ano passado - a competição mais importante do ciclismo mundial.

E o tabaco?

A lei que proíbe integralmente a propaganda de cigarros na televisão foi sancionada no final de 2000 pelo governo FHC. Além dos meios de comunicação, a Lei n° 10.167 também proibiu:

  • A associação do uso do produto à prática de atividades esportivas, olímpicas ou não.
  • Sugestões ou induções ao consumo em locais ou situações perigosas, abusivas ou ilegais.
  • A participação de crianças ou adolescentes em propagandas de produtos de tabaco.
  • A distribuição de amostras ou brindes.
  • A venda por via postal.
  • A propaganda por meio eletrônico, incluindo a internet.
  • A realização de visitas promocionais ou a distribuição gratuita em estabelecimentos de ensino ou locais públicos.
  • O patrocínio de atividades culturais ou esportivas.
  • A propaganda fixa ou móvel em estádios, pistas, palcos ou locais semelhantes.
  • A propaganda indireta (merchandising) em programas produzidos no país em qualquer horário.
  • A comercialização em estabelecimentos de ensino e de saúde.

Antes de 2000, as propagandas de cigarros representavam cerca de 1% da receita publicitária dos canais de TV aberta.

Em 2018, o jornalista Phillipe Watanabe, da Folha, revelou práticas publicitárias veladas de empresas de tabaco, que utilizavam festivais de música para atingir um público mais jovem.

Uma das principais descobertas foi o uso da hashtag #tastethecity, associada ao cigarro Dunhill, da Souza Cruz, amplamente utilizada em diversos países. No Brasil, o slogan "Taste the City" foi promovido durante as edições de 2016 e 2017 do festival MecaInhotim. Além de ser um slogan, "Taste the City" também tinha uma página no Facebook que divulgava eventos e festas ao redor do mundo.

Exemplo de uso da hashtag #tastethecity

A ação no MecaInhotim incluía um acampamento para influenciadores convidados, que postavam fotos com maços Dunhill ou pessoas fumando, usando a hashtag #tastethecity. A campanha também envolveu um balão de ar quente e kits para influenciadores, contendo, entre outros itens, maços de cigarro. Esta prática foi reportada no relatório internacional da ONG ACT Promoção da Saúde (antiga Aliança de Controle do Tabagismo).

Kit do MecaInhotim contendo maço de Dunhill (Folha, 2018)

Na época, Rodrigo Santanna, criador dos eventos Meca, afirmou desconhecer a associação do slogan "Taste the City" com a Souza Cruz. Segundo Santanna, até 2017 havia uma parceria comercial com a empresa de tabaco para fornecimento de produtos para pontos de venda no festival. Tanto o acordo quanto a presença dos postos de venda de cigarros foram descontinuados no festival, como parte de uma reavaliação das experiências propostas, conforme Santanna.

Outros festivais, como o Rock in Rio 2017 e o Lollapalooza 2018, foram investigados pela Anvisa. A agência constatou infrações relacionadas à fabricação e comercialização de produtos fumígenos sem registro (kits promocionais), propaganda abusiva e irregular, e venda ambulante. O Lollapalooza 2019 voltou a enfrentar problemas ao incluir oito tabacarias em seu espaço.

“A lei proíbe qualquer ação comercial para promover direta ou indiretamente um produto de tabaco. A interpretação da lei precisa ser muito restritiva”, diz Adriana Carvalho, diretora jurídica da ONG ACT Promoção da Saúde.

É relevante destacar que o Brasil desempenha um papel importante no combate ao tabagismo nas Américas: "de acordo com dados do Progress Hub, 12,6% da população adulta brasileira fuma, 7 pontos percentuais a menos que a média global."


A banca segue vencendo

Ao contrário das medidas rigorosas contra o consumo de cigarro, que desde os anos 2000 têm mostrado uma redução significativa no uso, o álcool ainda exige discussões mais aprofundadas, especialmente no que diz respeito à publicidade. Apesar dos avanços, o Brasil nunca implementou uma campanha incisiva para desencorajar o consumo de bebidas alcoólicas, semelhante às iniciativas contra o tabagismo, e nem tão cedo veremos algo no campo das apostas e jogos de azar.

Além dos problemas de saúde pública, que são bem documentados, existe também o aspecto econômico e o lobby.

A presença em festivais de grande porte e campeonatos amplamente consumidos é extremamente lucrativa, o que dificulta a implementação de uma legislação que restrinja a publicidade e o patrocínio de produtos comprovadamente nocivos à saúde em grandes eventos.

Por outro lado, a estrutura da indústria cultural brasileira ainda apresenta brechas que permitem que empresas de bebidas alcoólicas e casas de apostas sejam as principais patrocinadoras de eventos, em vez de políticas públicas.

A bolha das casas de apostas no futebol pode se expandir ainda mais, mas antes de estourar, veremos essas marcas se movendo massivamente para o entretenimento, especialmente a música. Com a projeção de que, até 2025, o Brasil terá pelo menos 500 empresas regulamentadas operando no país, escapar da influência das casas de apostas será cada vez mais difícil; elas estarão presentes, lucrando, até no seu festival favorito.