Caso Diddy: conspirações, celebridades negras e a negação de crimes reais

A exploração midiática e digital de um dos maiores escândalos criminosos na indústria musical também envolve teorias da conspiração sem precedentes, colocando figuras públicas negras no centro das atenções. Essas especulações confundem o público e desviam o foco dos verdadeiros crimes.

Caso Diddy: conspirações,  celebridades negras e a negação de crimes reais
Um retrato de Sean Combs observando o advogado Marc Agnifilo, à esquerda, na corte federal de Nova York. Fotografia: Elizabeth Williams/AP.

Desde a prisão de Sean "Diddy" Combs, as redes sociais, especialmente TikTok e YouTube, foram inundadas com conteúdos que buscam explicar ou resumir para suas audiências a suposta rede de crimes do rapper e empresário. Na tentativa de esmiuçar esse caso em particular, temos assistido à proliferação de teorias da conspiração envolvendo outras figuras públicas negras que há décadas circulam no mesmo meio de Diddy.

Especulações e fatos transitam por uma zona cinzenta, confundindo o público, que acaba participando de uma verdadeira caça às bruxas, baseada em códigos supostamente encontrados em vídeos antigos e letras de músicas. O resultado é a imputação de crimes a pessoas que, até o momento, não foram formalmente acusadas, além de ataques orquestrados a seus perfis nas redes sociais e uma cobrança desproporcional por algum tipo de posicionamento.

O que chama atenção nesse cenário é o padrão racial das figuras públicas associadas a crimes graves e a confusão instaurada por criadores de conteúdo e pela imprensa, que, em certa medida, endossam essas teorias por meio de editoriais e títulos tendenciosos. Isso, em vez de contribuir para o debate sobre a estrutura de abuso e violência na indústria musical, serve apenas ao objetivo de angariar cliques, likes e visualizações.

Terreno fértil para conspirações

Quantidades enormes de dinheiro, uma vasta rede de amigos influentes e uma cultura de silenciamento em torno das celebridades criam um terreno fértil para produzir teorias da conspiração cada vez mais absurdas.

O caso envolvendo o rapper Sean "Diddy" Combs tornou-se simbólico nesse contexto, pois ele está no centro de especulações desse teor. As pessoas de fora, como espectadoras, na tentativa de emular investigadores de séries de true crime da Netflix, buscam respostas simplistas ou extraordinárias em entrevistas antigas, videoclipes, fotografias de festas e letras de músicas para um caso complexo. Dessa forma, acabam tratando crimes reais, com vítimas reais, não pela perspectiva de quem sofreu, mas através de rumores e teorias da conspiração.

Isso revela a antiga necessidade parassocial de criar fantasias sobre o universo das celebridades.

No caso de Diddy, embora existam nuances profundas a serem exploradas, o foco não está no que de fato aconteceu. Desde criadores de conteúdo no TikTok até portais de notícias respeitáveis, os títulos e narrativas tendenciosos sugerem que outras celebridades, principalmente negras, estão envolvidas em crimes graves, sem qualquer evidência concreta.

Exemplos de títulos de reportagens e thumbnails de vídeos no YouTube

Há, aqui, uma clara distinção entre a percepção de artistas brancos e negros neste caso. Enquanto Justin Bieber ou Eminem são retratados como vítimas ou gênios por abordarem, ainda que de forma subjetiva, os horrores atribuídos a Diddy, os principais artistas que levam a pecha de cúmplices nessas especulações são negros, como Usher, Beyoncé e Jay-Z. Tudo isso, sem qualquer tipo de materialidade. É importante destacar que, até o momento, nenhuma outra pessoa, celebridade ou não, foi formalmente acusada ou indiciada junto a Combs no caso criminal. Nos processos civis, também não há menção a outras figuras públicas, sendo Combs o único acusado, além de, ocasionalmente, alguns de seus empregados.

Vivemos em uma estrutura racista onde a vigilância policial sobre pessoas negras é constante, independentemente de seu status social — seja uma celebridade, filho de diplomata ou pessoa periférica. Quando casos como o de Diddy, um homem negro bilionário, vêm à tona, há uma tendência de pessoas brancas, ainda que inconscientemente, se sentirem confortáveis em acreditar que todos ao redor do investigado — especialmente pessoas negras — também são culpados pelos mesmos crimes. A possibilidade de que algumas dessas pessoas sejam, na verdade, vítimas sequer é considerada pelos "detetives das redes sociais".

Thumbnails dos vídeos publicados no canal Naty e Isa

Conspiração como busca da ordem e likes

As teorias da conspiração surgem principalmente em situações não explicadas ou com explicações provisórias. Elas fornecem um senso de organização, compreensão e controle subjetivos. Essas crenças, muitas vezes, ajudam a aliviar a angústia de se viver em um mundo caótico e imprevisível. No entanto, ao conectar fatos e fenômenos sem relação direta, as pessoas criam narrativas que fortalecem a ideia de um grande esquema conspiratório.

Motivações menos nobres também alimentam essas teorias: a busca por likes, seguidores, visibilidade e dinheiro. Além disso, um dos maiores problemas das teorias da conspiração é que elas frequentemente desqualificam questões reais, misturando desinformação com fatos. O viés preconceituoso permeia essas narrativas, tornando-as ainda mais distorcidas.

Indústria desumanizada

O caso Diddy revela uma percepção equivocada sobre a indústria musical e do entretenimento, esquecendo-se de que se trata de um ambiente de trabalho, com empregadores e empregados. O que muitas vezes é chamado de "festas do sexo" por alguns pode ser visto como festas corporativas por outros, especialmente os recém-chegados à indústria, que temem que resistir a esses ambientes possa prejudicar suas carreiras em ascensão.

Os inúmeros abusos denunciados em Hollywood ao longo das últimas décadas deixam claro que a imprensa e a sociedade não estão dispostas a acreditar nas histórias dessas pessoas, ou a acolhê-las, mas sim a disseminar e reforçar conspirações, contribuindo para a descredibilização de crimes hediondos. Pior ainda, continuamos a ignorar que a predação sexual é uma questão estrutural nessa indústria, tanto nos Estados Unidos quanto fora dele.

Quando rumores, fake news e conspirações se misturam aos fatos, de maneira sem precedentes, perdemos de vista os crimes reais e, acima de tudo, esquecemos que existem sobreviventes, também reais, que passaram por um longo ciclo de abuso, violência e chantagem, perpetuados por uma estrutura complexa que protege o comportamento deplorável e criminoso de homens poderosos no entretenimento.


Afinal, quais são as acusações?

Combs enfrenta dois tipos de processos: um criminal, movido pelo governo federal, e vários civis, movidos por indivíduos (até o momento pelo menos 11), cada um envolvendo diferentes acusações. Ele foi preso sob acusações criminais, com o governo alegando que ele utilizou sua empresa para realizar atividades ilícitas, incluindo tráfico sexual e sequestro, além de usar seu poder para intimidar as vítimas e encobrir os crimes.

O caso foca nas supostas performances envolvendo mulheres e profissionais do sexo. A acusação alega que Diddy frequentemente transportava esses profissionais para realizar os encontros, gravava as sessões e usava essas gravações para coagir o silêncio dos participantes. Ele teria utilizado uma série de funcionários e sua organização empresarial para facilitar essas atividades criminosas. Por conta disso, Combs foi acusado de conspiração de extorsão, uma acusação grave, comumente usada contra líderes do crime organizado, que pode acarretar uma pena severa.

No entanto, foram os processos civis que abriram as comportas que culminaram na acusação criminal. Especialmente o processo movido pela cantora Cassandra Ventura, conhecida como Cassie.

Para aprofundar nos fatos:

Rapper Diddy: quais as acusações contra ele? - BBC News Brasil
Preso desde a semana passada, o magnata do hip-hop é acusado de tráfico sexual envolvendo orgias movidas a drogas, conhecidas como “freak offs”.
Cassie’s Lawsuit Against Diddy, Explained
Diddy claims he’s “truly sorry” for assaulting Cassie in graphic footage, after previously denying all accusations.
A Guide to the Many Lawsuits Against Diddy
Including a twelfth lawsuit from a Jane Doe.
7 questions — and zero conspiracy theories — about the allegations against Sean “Diddy” Combs
Separating fact from conspiracy theories on Sean “Diddy” Combs.
Diddy’s arrest — and the allegations against him — explained
The allegations against Combs by Cassie and others, explained.

Sobre teoria da conspiração:

Estamos vivendo uma epidemia de teorias da conspiração? Veja o que dizem estudos sobre o tema
Pesquisas apontam que adesão a pensamento conspiracionista ainda é minoritária, mas há evidências de danos graves na área de saúde e política
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