Festejos Juninos na Bahia e o dinheiro que não chega às mulheres na música

A disparidade de gênero nos festejos juninos da Bahia revela que as mulheres enfrentam significativas desigualdades em oportunidades e cachês, com a maioria das contratações e remunerações sendo direcionadas a artistas homens, especialmente no sertanejo.

Festejos Juninos na Bahia e o dinheiro que não chega às mulheres na música
Mari Fernandez no São João em Salvador. (Foto: Bruno Dias/Portal Massa)

É difícil estimar com precisão o impacto econômico dos festivais no Brasil, mas, segundo a Associação Brasileira dos Promotores de Eventos (Abrape), o setor representa 4,5% do PIB, gerando um faturamento anual estimado no valor em R$ 314,2 bilhões. De acordo com o banco de dados do Mapa dos Festivais, apenas no primeiro semestre deste ano, foram realizados 146 festivais, com um ticket médio de R$ 432,00.

O crescimento deste mercado, e principalmente sua maturidade a cada ano, cria oportunidades para mão de obra em diferentes áreas na produção de grandes eventos, dos bastidores aos palcos. No entanto, em um cenário financeiramente próspero, quando falamos de igualdade de oportunidades entre os gêneros, a conversa muda de tom.

Nos festivais de música, as mulheres representaram apenas 34,6% dos atos musicais contratados em 43 festivais brasileiros realizados em 2023. Embora seja possível organizar e analisar dados sobre a presença de mulheres nas programações de festivais produzidos por empresas privadas, já que essas são informações públicas, descobrir o panorama da remuneração dessas artistas é uma tarefa árdua, pois esses dados são privados.

O que fica cada vez mais evidente são os postos de trabalho negados às mulheres nos palcos dos festivais de música. No entanto, os valores que não chegam aos bolsos dessas artistas ainda carecem de transparência, dificultando o mapeamento do real tamanho desse prejuízo.

Felizmente, quando se trata de eventos realizados por entes públicos, temos a nosso favor a transparência dos contratos e valores. É o caso das festas juninas, que cada vez mais adotam mecanismos e tecnologias para dar à sociedade acesso às informações relacionadas aos gastos nos festejos.

Entre todos os estados que possuem festejos juninos em suas agendas oficiais, a Bahia foi pioneira na criação de um painel de transparência. Seguido agora de Pernambuco, que aderiu ao mesmo sistema pela primeira vez este ano.

São João Pé no Chão

O Painel de Transparência dos Festejos Juninos nos Municípios do Estado da Bahia foi concebido em 2023 e desenvolvido pelo Ministério Público estadual em parceria com os Ministérios Públicos de Contas junto aos Tribunais de Contas do Estado (MPC/TCE) e dos Municípios (MPC/TCM), além dos Tribunais de Contas do Estado (TCE) e dos Municípios (TCM). O projeto também contou com a colaboração da Rede de Controle da Gestão Pública na Bahia, com o apoio da União dos Municípios da Bahia (UPB), da União das Controladorias Internas da Bahia (UCIB), do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE/BA), da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e do Governo do Estado da Bahia.

O painel é alimentado por dados fornecidos de maneira voluntária pelos municípios, que são certificados com o selo de transparência nos festejos juninos, em reconhecimento à boa prática de gestão pública. O principal objetivo é ampliar o monitoramento da sociedade em relação aos gastos públicos nesses eventos.

Em 2023, 217 municípios baianos aderiram ao portal e preencheram as planilhas com os gastos relacionados às festas dos anos de 2022 e 2023. Este ano, o número de municípios participantes aumentou para 331.

Dados gerais

Em termos gerais, nos 331 municípios participantes do painel este ano, foram contabilizadas 4.305 apresentações artísticas, envolvendo 2.058 artistas contratados, o que resultou em um total de R$ 406 milhões em contratações.

Painel de Transparência dos Festejos Juninos nos Municípios do Estado da Bahia (2024)

No interior do estado, o município com o maior total de atrações* foi Vitoria da Conquista, com 92 atrações (R$ 2.339.000,00), seguido de Porto Seguro, com 90 atrações (R$ 4.725.946,00), e Cruz das Almas, com 78 atrações (R$ 6.026.000,00). Já os municípios com maior valor total das contratações** foram Serrinha, com R$ 6.485.000,00, com 36 atrações contratadas; seguido por Candeias, com R$ 6.093.000,00 e 21 atrações; e Irece, com R4 6.026.000,00 para 29 atrações.

Salvador, a capital do estado, contratou 191 atrações artísticas, totalizando um valor de R$ 31.511.000,00.

"Total de Atrações", a metodologia de cálculo considera e soma apenas uma contratação da Atração Artística por Município do interior. Período: maio, junho e julho.
**"Total de Atrações", a metodologia de cálculo considera e soma apenas uma contratação da Atração Artística por Município do interior. Período: maio, junho e julho.

As mulheres nos festejos juninos

Para a análise dos próximos números, foram consideradas as 50 atrações mais contratadas e os 50 maiores cachês. Esses dados estão organizados e completos na planilha abaixo, que também reúne na íntegra os dados abertos baixados diretamente do painel.

FestejosJuninosBahia.xlsx - Google Drive

Qual atração artística foi mais contratada?

Ao categorizar as 50 atrações entre homens (solistas ou grupos compostos apenas por homens), mulheres (solistas ou grupos compostos apenas por mulheres) e mistas (grupos compostos por pelo menos uma mulher), temos:

  • Homens: 39 atrações, somando 675 contratações, com um valor total de R$ 132.514.360,00.
  • Mulheres: 3 atrações, somando 44 contratações, com um valor total de R$ 8.163.000,00.
  • Mistas: 8 atrações, somando 131 contratações, com um valor total de R$ 23.550.000,00.
Tabela com as 50 atrações mais contratadas. Período: maio, junho e julho. (Org. Thabata Lima Arruda). Dados completos.

Na tabela dos 50 artistas mais contratados, aparecem apenas três mulheres: Solange Almeida, que realizou 18 apresentações e acumulou R$ 5.200.000,00 em cachês; Xinela de Couro, com 15 shows e R$ 563.000,00 em cachês; e Márcia Felippe, que fez 11 shows e totalizou R$ 2.400.000,00. Realidade distinta de Wesley Safadão, que com apenas 9 shows chegou ao valor de mais de R$ 8 milhões em cachês.

Os maiores cachês

Ao categorizar os maiores cachês entre homens (solistas ou grupos compostos apenas por homens), mulheres (solistas ou grupos compostos apenas por mulheres) e mistas (grupos compostos por pelo menos uma mulher), temos:

  • Homens: 39 atrações, totalizando R$ 102.283.780,00.
  • Mulheres: 9 atrações, totalizando R$ 20.235.500,00.
  • Mistas: 2 atrações, totalizando R$ 9.145.000,00.

O artista masculino que recebeu o maior cachê foi Gusttavo Lima, no valor de R$ 1.100.000,00. Ele foi contratado para uma única apresentação no estado, na cidade de Luís Eduardo Magalhães, município com 107.909 habitantes, que teve um orçamento declarado para as festas juninas de R$ 3.278.210,00, distribuído entre 11 atrações.

Em seguida, temos Wesley Safadão, que realizou 9 shows, sendo um deles no valor de R$ 1.000.000,00 e os demais por R$ 900.000,00 cada. Seu maior cachê foi para um show em Tucano, município com 48.736 habitantes, que teve um orçamento de R$ 3.664.000,00 para as festas juninas, contemplando 11 contratações.

Na lista dos 50 artistas mais bem pagos, apenas nove são mulheres. A artista feminina com o maior cachê foi Ana Castela, que recebeu R$ 700.000,00 tanto para o show em Salvador quanto para a apresentação em Ibicuí, município com 13.934 habitantes e um orçamento junino de R$ 2.320.000,00. Em seguida, está a dupla Maiara e Maraisa, que realizou 6 shows, com o maior cachê no valor de R$ 654.000,00.

Ana Castela no São João da Bahia. (Foto: Bruno Hierro/GOVBA)

Festejos sertanejos?

Entre os artistas mais requisitados para os festejos juninos na Bahia, predominam aqueles tradicionalmente ligados ao forró, um gênero musical que, culturalmente, é parte integrante da Festa Junina. No entanto, ao analisarmos os artistas que recebem os maiores cachês, observamos uma predominância de artistas de outros gêneros musicais, principalmente do sertanejo.

Entre as mulheres listadas na tabela dos 50 artistas com as maiores remunerações, cinco (Ana Castela, Maiara e Maraisa, Simone Mendes, Naiara Azevedo e Lauana Prado) são do sertanejo, uma (Juliette) é do pop, e apenas três (Mari Fernandez, Joelma e Manu Bahtidão) são do forró. Embora Mari Fernandez atualmente transite por diferentes gêneros musicais, sua origem é no forró, e ela recebeu o maior cachê entre as mulheres desse gênero, no valor de R$ 480.000,00.

Sobre igualdade de oportunidades

Quando grande parte do mercado musical argumenta que atrações femininas não são um chamariz para a venda de ingressos em eventos, ou algo nessa linha, entramos em um grande impasse. Pois, cada vez mais, os dados mostram que oportunidades nem sequer são criadas para que essas teses misóginas possam ser testadas.

Chamar a atenção para a ausência de mulheres em eventos ao vivo e na indústria da música em geral não é apenas trazer à tona um discurso vazio sobre igualdade de gênero. Trata-se de alertar sobre como centenas de postos de trabalho são negados às mulheres na música e como somos constantemente preteridas nos processos de contratação, tanto na esfera privada quanto pública.

Para encerrar, ouso emprestar a famosa máxima de Viola Davis em seu discurso no Emmy de 2020, quando disse: "A única coisa que separa as mulheres negras de qualquer outra pessoa é a oportunidade." Não quero apenas endossar, mas também parafrasear, afirmando que artistas mulheres não prosperarão financeiramente, não criarão público, e muito menos venderão ingressos, enquanto oportunidades e os palcos para que elas mostrem seus talentos não forem criados.