Já Eras pra quem?

A tour em uma breve linha do tempo

Já Eras pra quem?
© AP Photo/Silvia Izquierdo

A The Eras Tour, desde sua etapa nos EUA, tem gerado e acumulado controvérsias e… podemos dizer também… crimes?

Pensei em estrear a thread com outro assunto, mas são tantas camadas e acontecimentos envolvendo Taylor, monopólio, empresas milionárias e fanbase, que não consegui fugir do Já Eras Tour - e seus trocadilhos.


O caos começou em novembro de 2022, quando a Ticketmaster abriu a pré-venda para os 52 shows programados para acontecerem na América do Norte. Em um primeiro momento, apenas para fãs verificados, através de um programa da própria empresa, além de clientes da Capital One, patrocinadora da turnê.

A Ticketmaster publicou que 3,5 milhões de pessoas faziam parte do programa de Fãs Verificados (que pedia data e local de preferência do show e informações pessoais, incluindo número do telefone celular), mas apenas cerca de 1,5 milhões possuíam um código especial para essa pré-venda. Entretanto, o site recebeu 14 milhões de visitas, incluindo bots, e uma enxurrada de reclamações. Algo sem precedentes.

Além das esperas intermináveis nas filas virtuais, alguns fãs relataram que no mesmo dia viram ingressos serem vendidos em sites como StubHub por até US$22.700, quase dez vezes mais que o vendido pela Ticketmaster.

Tudo isso aconteceu apenas na pré-venda, o que acarretou no cancelamento um dia antes da abertura de venda para o público geral.

Em meio à muitos clientes, milhares, descontentes, congressistas passaram a questionar o monopólio que a Live Nation, proprietária desde 2010 da Ticketmaster, possui no momento. E os desdobramentos estão acontecendo na justiça.

Nesta última segunda-feira, o subcomitê do Senado intimou representantes da empresa para apresentar mais documentos.

Live Nation/Ticketmaster Subpoenaed By Senate Subcommittee Investigating Hefty Prices For Taylor Swift And Other Concerts

Enquanto isso, a Live Nation/Ticketmaster segue lucrando e acabram de ter o “trimestre mais forte de todos os tempos”. Claro, graças à Taylor Swift e a Queen Beyoncé com sua Renaissance Tour.

Beyoncé e Taylor Swift: shows das cantoras impulsionam resultados da Live Nation

No Brasil, temos nosso próprio filhote de monopólio: Time For Fun/Ticket For Fun, a ticketeria foi adquirida pela produtora brasileira em 2007.

(Falarei mais da história da empresa no próximo texto, então vou meu me ater apenas aos shows do The Eras Tour).

Muitos fãs brasileiros relataram filas digitais imensas e dificuldade na compra de ingressos. Restando a opção de comprar em pontos físicos, que virou o puro suco de Brasil.

Complemento a fala que abriu essa seção, da Naty, do canal Naty e Isa, dizendo que não apenas normalizamos “perrengues por ídolos”, mas também a precarização nas diferentes esferas e áreas que compõe o mercado de entretenimento. Desde o trabalhador de base, passando pelo artista e chegando ao público, o cliente final. Arrisco a dizer que apenas patrocinadores e promotores do evento saem satisfeitos dessas ‘experiências’.

Toda questão de vendas de ingressos e cambistas ganhou uma lei que passou a tramitar em regime de urgência na Câmara dos Deputados.

“O projeto prevê pena de reclusão de um a quatro anos e multa correspondente a cem vezes o valor dos ingressos anunciados pelo cambista. Também tipifica o crime de facilitar ou favorecer o trabalho de cambistas por meio do repasse ou da venda de ingressos.”

‘Lei Taylor Swift’ ganha tramitação em regime de urgência na Câmara

Claro que é necessário criminalizar e punir tais práticas, mas reforço ainda que fiscalização e investigação sobre esses conglomerados precisa ser feita e não é de hoje.

A pandemia acabou e a retomada de eventos encontrou a demanda reprimida, e a cada grande evento ou festival o Procon chega próximo ao colapso por conta de tantas denúncias.


O primeiro final de semana de Taylor no Rio de Janeiro foi uma tragédia anunciada? Sim.

Assim como Doce Maravilha e Rep Festival, que ignoraram a metereologia e teve um público e artistas castigados pelas chuvas, a T4F ignorou também o tempo e a onda excessiva de calor, que não só o Rio de Janeiro, mas o país todo, passou nas primeiras semanas de novembro.

A maneira como o local foi “preparado” para receber o público foi uma das coisas mais intrigantes que vi: placas de ferro no chão, tapumes que obstruíram a entrada de vento em um estádio que tinha cerca de 60 mil pessoas em um dia que a sensação térmica no local chegou a 60°C, somado a escassez nos pontos de vendas de água.

Ainda fico pasma em pensar que esses grandes shows possuem equipes enooooormes, cada detalhe possui seguro para ninguém perder seu rico investimento, e ainda sim vemos as produções pecando, mas pecando muito, na maneira como conduzem tudo.

No primeiro dia, perdemos Ana Clara Benevides. Durante a segunda música, Ana desmaiou, foi atendida pelos médicos do local, tranferida para o hospital, mas não resistiu.

Cerca de 1000 desmaios aconteceram durante o dia do show, além das queimaduras de segundo grau ocasionadas pelas tais placas de ferro.

No dia seguinte, o show foi cancelado e o anúncio veio apenas depois das 17h, quando centenas e mais centenas de pessoas já estavam no local do show há muitas horas.

Quem assume a culpa? Quem acolhe uma família devastada e pessoas feridas? Taylor Swift fez um story, T4F uma nota em seu perfil no Instagram.

Domingo e segunda passaram e a cantora não fez nenhuma menção ou homenagem direta à morte de Ana. A reação do estado foi “correr” com obrigatoriedades, protocolos e leis para que água seja garantida em eventos.

Domingo no Fantástico a família de Ana relatou o descaso tanto da empresa milionária, que possui capital aberto, quanto da equipe da cantora. Na segunda-feira, fãs, através de uma “vaquinha”, pagaram traslado do corpo, que ainda estava no Rio de Janeiro, para o Mato Grosso, e o velório.

Apenas ontem, depois de sete dias da tragédia, o CEO da T4F mostrou o rosto e falou em nome da empresa sobre o ocorrido. A fala mecânica não deu conta de confortar nenhuma dor, ferida ou trauma.

Taylor, aparentemente, não destinará o seu palco para nenhum tipo de demonstração de empatia por uma fã, negra, latina, que morreu durante o seu show.


A Secretaria Nacional do Consumidor relatou ontem (24), que recebeu 1445 denúncias em seis dias. A maioria sobre falta de água, insuficiência no atendimento médico e dificuldade de obtenção de reembolso ou contato com a empresa que organiza a turnê.

Já a Polícia Civil do Rio de Janeiro abriu inquérito contra a T4F para apurar se houve crime de perigo à vida ou à saúde de quem foi ao show.


A ideia era trazer um apanhado, quase como uma linha do tempo, dos acontecimentos relacionados à essa turnê. Além do fato de que estou sem internet em minha casa no momento e isso atapalhou tudo (por motivos de VIVO), a etapa brasileira ainda não foi encerrada (ainda tem show hoje e amanhã em São Paulo), por isso algumas coisas ainda podem acontecer. Ou seja, não é uma discussão que acaba aqui e nem deveria.

Hoje, nas notícias, quase não vi conversas sobre a fatalidade ou os possíveis crimes cometidos por T4F/Ticket For Fun sendo abordados.

O que me intriga em todos esses desdobramentos é que a T4F está envolvida em controvérsias criminosas - quem não lembra das denúncias de trabalho análogo à escravidão durante o Lollapalooza? - há muito tempo. Será que quando um artista é contratado por uma empresa em outro país, não existe a preocupação quanto ao seu histórico? Bem, já sabemos a resposta.

Termino deixando pontas soltas, perguntas sem respostas e a reflexão de que precisamos muito além de culpas assumidas no campo moral, precisamos cobrar que empresas como a Time For Fun respondam criminalmente por erros fatais que não foram evitados por escolha de alguém.


Para ir mais fundo: